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           O Fado cantado à média-luz...

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É da responsabilidade de Alfredo Marceneiro, por, a partir de determinada altura, os fadistas passarem a cantar o fado à média-luz.

 

Eis, pois, o episódio que ele frequentemente recordava:

A história de como Alfredo Marceneiro criou a redução das luzes para cantar o fado, contada pelo próprio ao Henrique Mendes no programa da RTP 'Marceneiro é só fado' em 1969.

 

"Todos os anos, para celebrar a abertura da água-pé, o Rogério Estivador organizava na sua Quinta da Paiã, uma grande e regada patuscada, acabando sempre a festança com uma sessão de fados, sendo os fadistas convidados pelo Chico Carreira . Rogério Estivador como não era grande apreciador de fado, comentava sempre que para ele os fadistas cantavam todos da mesma maneira. Então Chico Carreira perguntou-lhe se já ouvira cantar Alfredo Marceneiro. O Rogério disse-lhe que não ouvira e que nem sequer estava interessado, tendo o Chico ripostado:

 

- Hoje veio comigo o tal Marceneiro e podes crer que quando o ouvires, há-de fazer-te chegar as lágrimas aos olhos.

O Rogério largou uma gargalhada. Ele chorar por causa de um fadista? Ora, o Chico não estava bom da cabeça.

Quando terminou a patuscada, já noite alta, os fadistas começaram a cantar e quando chegou a vez do Alfredo Marceneiro, este, que não estava muito inspirado, cantou um fado qualquer, pouco propício a fazer chorar fosse quem fosse.

O Rogério zombou, dirigindo-se ao Chico Carreira:

- Então este é que é o tal que me ia fazer chorar?

Chico Carreira foi ter com o Alfredo e contou-lhe tudo. Alfredo encheu-se de brios, levantou-se e dirigindo-se aos comensais disse:

- Vou cantar, dedicando ao dono da casa, Senhor Rogério, mais um fado. A letra que vou cantar é da autoria do grande poeta popular Henrique Rêgo e tem como tema o sentimento que mais prezo: O Amor de Mãe. Peço a todos o máximo de silêncio e agradecia que as luzes fossem apagadas.

- As luzes? - perguntou o dono da casa - Então ficamos às escuras?

- Não - disse Marceneiro - Agradecia que mandassem vir umas velas e que as espetassem nos gargalos das garrafas.

Assim se fez. A iluminação a acetileno foi substituída pela luz trémula e difusa das velas e, no meio do maior silêncio, Alfredo

Marceneiro entoou, com sentimento profundo:

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O amor de Mãe

 

Oh águia que vais tão alto
Num voar vertiginoso
Por essas serras d'além
Leva-me ao céu, onde tenho
 A Estrela da minha vida
A Alma da minha mãe

 

Loucos sonhos juvenis
Fervilham na minha mente
Me fazem ficar chorando
Quando tu águia imponente
Consegues transpor voando
As serras e os alcantis

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Quando te vejo voar
Pelo vasto firmamento
Sobre as campinas desertas
Com profundo sentimento
Tu em meu peito despertas
Sonhos que fazem chorar

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Se para ser Homem, Jesus

Precisou que uma Mulher

O desse à Luz neste Mundo

O Amor de Mãe é a Luz

Que torna o nosso viver

Num Hino de Amor Profundo

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Oh velha águia altaneira
Senhora do espaço infindo
voar assim quem me dera
para que dessa maneira
Eu alcance o céu tão lindo
Onde minha mãe me espera

 

Quando Alfredo acabou o fado, Rogério Estivador não resistiu; grossas lágrimas lhe correram cara abaixo, tendo num impulso irresistível corrido a abraçá-lo:

- Muito bem amigo Alfredo, isto é que é cantar com sentimento, isto é que é Fado"

E foi assim que, naquela noite, Alfredo Marceneiro deu início à tradição de diminuir a iluminação quando se canta o Fado.

 

 

 

 

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Com musica do 'Fado Cravo' 

Alfredo Marceneiro canta

'Amor de mãe'

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